Estatuto do Autismo deve garantir direitos e fortalecer lutas sobre a causa em Lages

Por Luiz Del Moura

Familiares, especialistas da área, instituições da sociedade civil e representantes políticos debateram o assunto no Legislativo Lageano

Uma audiência pública da Câmara de Lages recebeu diversas pessoas e entidades ligadas à causa para unir esforços em busca da construção do Estatuto do Autismo no município. Autor da reunião e pai de um menino autista, o vereador Nixon (PL) explicou que o objetivo é garantir que os direitos das pessoas que estão no Transtorno do Espectro Autista (TEA) sejam contemplados de forma integral. “Falar do autismo é algo que mexe com meu coração porque, como pai atípico, eu convivo diariamente com isso”, comentou o proponente.

Nixon comentou que seu gabinete preparou um anteprojeto de lei que estabelece o Estatuto, mas ele percebeu a necessidade de reunir as diversas partes que compõem o universo do autismo na cidade para que o regulamento pudesse ser aprimorado com as opiniões e sentimentos de todos.

Segundo o vereador, o Estatuto do Autismo é um conjunto de normas jurídicas que estabelece regras e regulamenta direitos às pessoas com o TEA em diversas áreas como educação, saúde, assistência social, lazer, inclusão, entre outros. Também em relação aos deveres do poder público em implantar políticas voltadas à causa, quanto à capacitação de profissionais e na promoção de um atendimento multidisciplinar para diagnósticos e tratamentos contínuos aos pacientes, além de trabalhar a conscientização sobre o tema.

Como proposição ao fim da audiência, Nixon sugeriu a criação de um grupo de trabalho, que vai se reunir para debater e ampliar o anteprojeto de lei com aquilo que for necessário para o desenvolvimento das questões dos autistas no município de Lages. “Vamos construir o melhor projeto possível, dentro da legalidade, com todo o cuidado e zelo, para que ele venha para o Plenário e não caia em nenhuma questão de inconstitucionalidade, para que seja aprovado e possa garantir os direitos das pessoas autistas”, concluiu.

Deputado aporta recursos e fala de iniciativas legislativas que favorecem as famílias atípicas

Vereador na 16ª e 17ª Legislatura de Lages, o deputado estadual Marcius Machado (PL) falou sobre a satisfação de retornar à Câmara para um debate tão importante. Ele elencou algumas contribuições que a Assembleia Legislativa de Santa Catarina tem feito para a área, como a Carteirinha do Autista, a tramitação de um projeto de lei para proibir as sirenes nas escolas do estado, mudando a sistemática para uma maneira que não afete às crianças autistas, além da isenção do pagamento do IPVA aos pais de autistas, embora para não acarretar em vício de origem, a proposição precisa partir do governador.

De emendas parlamentares de sua autoria, Marcius citou a instalação de placas de energia solar junto à Apae, além da assinatura de um convênio para trocar o sistema de aquecimento da piscina. Na Uniplac, através do Centro Especializado em Reabilitação (CER), foi celebrada a assinatura de ordem de serviço de R$ 1.2 milhão para a construção da hidroterapia, que deve realizar mais de quatro mil atendimentos por mês. O deputado falou ainda sobre os parques infantis oriundo de emendas impositivas de sua autoria e que foram implantados em cem das 131 unidades escolares de Lages, dos quais ele mencionou que foi parabenizado por um pai atípico do Novo Milênio que citou a atração do filho pelo parquinho colorido.

Houve ainda manifestações de apoio encaminhadas em vídeo e áudio, respectivamente, pelos deputados federais Zé Trovão e Carol De Toni (ambos do PL). A deputada, inclusive, disse que avança no Congresso Nacional um projeto de lei que garante à pessoa com TEA todos os direitos assegurados no Estatuto à Pessoa com Deficiência.

Secretários expõem situação do autismo em suas áreas, além de apontarem caminhos para aprimorar os serviços

Secretária de Saúde de Lages, Susana Zen admite que a área precisa qualificar os serviços e que essa melhoria já está sendo buscada. Uma das intenções é ampliar a estrutura de modo a atender a demanda regional que espera por vagas em entidades como o Instituto Autismo, Apae e CER.

A falta da primeira avaliação, a do neurologista, é um dos principais problemas. Atualmente são 241 pessoas na fila dessa avaliação. Como há dificuldade para se encontrar profissionais que atendem pela tabela SUS (de valor remuneratório mais baixo), está sendo pensada a alternativa da telemedicina. No nível I a fila é de 834 pacientes. Para vaga na Apae há 377 pessoas na espera, enquanto para o CER o número é maior: 409.

Entretanto, a secretária transparece otimismo. “Com a ajuda dos nossos vereadores, podemos mudar esse cenário de fila represada, principalmente com o Estatuto, a edição de novas leis e a ampliação de vagas e serviços para dar mais qualidade de vida aos pacientes e suas famílias”, disse Susana.

A realização de reuniões com especialistas para analisar o que era feito na área foi uma das primeiras medidas do secretário municipal de Educação, Dr. Cristian Oliveira, à frente da pasta. Daí foi constituída uma comissão que tomou ações como a alocação de profissionais para salas com mais de um estudante com TEA; a reestruturação dos polos de Atendimento à Educação Especial e Inclusão, de modo que nenhuma das mais de 700 crianças com autismo no sistema municipal seja desassistida; bem como a aquisição de material pedagógico como forma de dar melhores condições de trabalho.

Sobre o Estatuto, ele reforça que é necessário deixar clara a qualificação que o Município precisa ofertar aos profissionais da área e a responsabilidade que toda a comunidade escolar deve ter para com os alunos com TEA – não somente o 2º professor ou o professor de Apoio e Inclusão. Inclusive, o secretário afirmou que há um comprometimento da gestão da prefeita Carmen Zanotto para regulamentação do cargo de professor de Apoio e Inclusão, para que haja a efetiva continuidade desse trabalho.

“Antes da cobrança, nós precisamos oportunizar aos nossos profissionais formação, vivência, prática, acompanhamentos e diálogos de forma permanente, inclusive para que nossos diretores possam acolher estes estudantes desde o ato da matrícula. É responsabilidade da Secretaria da Educação dar condições de trabalho para todos que compõem esse sistema”, aponta Cristian.

Trabalho das entidades é fundamental para a qualidade de vida das pessoas no TEA 

Contando com 500 alunos/usuários/pacientes e 128 colaboradores, a Apae de Lages realiza mais de quatro mil atendimentos por mês nas áreas da educação, saúde e assistência social a bebês e crianças com atraso no desenvolvimento psicomotor, crianças, adolescentes, adultos e idosos com deficiência intelectual e múltipla, além de 122 pessoas (74 crianças e adolescentes e 48 adultos e idosos) no Transtorno do Espectro Autista (TEA).

São oferecidos 35 serviços nas áreas de atuação. A saúde possui as especialidades médicas de neurologia, neuropediatria, psiquiatria e clínica geral, regulados pelo Sisreg. Também há dentistas, nutricionistas, enfermeiras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e fonoaudiólogas. Na educação são 76 professores nas áreas da pedagogia, educação especial, educação física, artes, informática, música e psicomotricidade. A assistência social conta com o programa PCD em Domicílio, que visita as pessoas que não conseguem ir à Apae.

Conforme a política educacional da Fundação Catarinense de Educação Especial, os alunos podem entrar na instituição com um mês de vida e ficar até falecer. “É um direito dele e a vaga não vai para a rede. A lei prevê o desligamento do atendimento quando os alunos vão para o ensino regular de educação ou clínicas particulares”, explica o diretor Fabricio Matos. De modo a tentar diminuir a angústia da fila de espera por vagas, a Apae oferece desde o ano passado o “Treinamento de Pais”, com atendimento de psicóloga e psicopedagoga para os tutores de alunos com até seis anos. A cada seis meses são atendidas 20 famílias.

Fabricio comemora a captação, por parte da Apae, de R$ 1.4 milhão para diagnósticos do TEA, através do projeto Pronas, do Ministério da Saúde. “A gente sofre muito no dia-a-dia com pais que ficam até dois anos numa fila e na hora do atendimento não podem usufruir. Com essa política pública teremos recursos para saber qual é o nível de autismo ou de deficiência da criança e qual serviço ela vai usar”, elucida. “O Estatuto do Autismo vai fortalecer as políticas públicas do município e, principalmente, as instituições que prestam esse serviço. Fortalecer é dinheiro e é o que precisamos para ampliar a parte física e os atendimentos”, destaca o diretor.

Trabalhar com o autista é trabalhar com amor. Parabenizo as famílias que passam tantas noites em claro, tendo que trabalhar no outro dia, para garantir um processo de inclusão aos seus filhos. As famílias estão cheias de papel, precisam de ação e tomara que esse Estatuto possa viabilizar isso”, analisa o coordenador do Instituto Autismo Lages, Alex Amaral. Ele citou uma situação em que uma família possui filhos com TEA estudando em escolas diferentes, portanto, espera que o Estatuto possa prever facilidades nesse sentido.

Ele se disse muito grato à equipe que trabalha com ele, formado por profissionais da neurologia, psicologia, neuropsicologia, psicopedagogia serviço social, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, equoterapia e musicoterapia, sendo uma equipe multidisciplinar que avalia de maneira integral o paciente e atesta laudos que podem ser para toda a vida.

                Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Autistas (AMA Serra Catarinense), Flávio Formento Antunes explicou que o Estatuto pode reunir e organizar os diversos direitos já previstos, facilitando o acesso e o atendimento sobre o autismo das diferentes áreas do município, como Educação, Saúde e Assistência Social. “Lages vive um momento especial do qual a prefeita, os deputados e os vereadores têm apoiado a causa. Estou muito esperançoso e com grande expectativa para esse ano, nossas famílias merecem”, afirma.

                Coordenadora do Centro Especializado em Atendimento (CER), Elusa Camargo comemora o fato de que a unidade Lages é o primeiro dos cinco CER’s do estado a habilitar o nível III, para atendimento às pessoas com deficiência auditiva, além das já atendidas, que são as deficiências físicas e intelectuais. “A partir disso temos condições de ampliar mais um nível, o IV, para contemplar as pessoas com deficiência visual”, esclarece.

                O tempo de atendimento aos pacientes é de um ano, mas ela afirma que a instituição vai buscar recursos para ampliar o serviço. “Estamos construindo um espaço novo e recebemos do Ministério da Saúde um recurso para ampliação do CER. Com a contrapartida dos municípios que atendemos, Governo do Estado e Universidade, podemos ampliar cada vez mais esse atendimento. Temos um projeto sendo aprovado no Ministério da Saúde para fazer 50 avaliações mensais de TEA, que estão na fila de espera por diagnóstico”,

Famílias acreditam que o Estatuto pode fazer com que as leis sejam cumpridas

“Nós que estamos todos os dias na linha da frente sabemos que o maior desafio é que os direitos dos nossos filhos sejam atendidos, sem depender da boa vontade da outra pessoa. O Estatuto precisa ser uma referência no respeito, fazendo valer os direitos que temos. Políticas públicas efetivas e uma lei que faça a lei ser cumprida. No autismo, tempo é qualidade de vida”, ponderou a advogada e mãe de autista, Pamela Monali.

Para ela, além disso, é necessário um olhar para a informação, de modo que as escolas e os postos de saúde tenham cuidado e respeito às especificidades das crianças autistas. Pamela também acredita que o assunto precisa ser abordado com as ditas famílias típicas, de modo que toda a sociedade saiba como lidar com o espectro autista.

Tenente-coronel da PMSC e pai de autista, Adair Alexandre Pimentel disse que o município precisa de mais instituições públicas inclusivas, citando o exemplo da escola Ondina Neves Bleyer, “onde todos os profissionais são inclusivos e a alimentação do autista é adaptada à sua realidade”. Ele fez uma menção honrosa ao trabalho desenvolvido junto à causa pelo saudoso vereador Bruno Hartmann.

Pimentel cobrou medidas que fortaleçam as atividades do Instituto do Autismo, a Apae e o CER, para que depois possa se pensar em uma “Casa do Autista” em Lages, de modo a contemplar o autista adulto e na velhice. “Temos uma prefeita que colocou em seu plano de governo uma política que é a Cidade do Autista, isso é representação popular”, comemora.

               Pessoas que se inscreveram e se manifestaram na audiência pública:

Denner Senhor, vereador de Espumoso-RS

Alessandro da Silva, pai de autista

Maria Eduarda Velho, assistente terapêutica Clínica Divertidamente

               Fabíola Correa Couto, mãe de autista

               Juliana Alexandre, mãe de autista

               Carla Antunes, mãe de autista e vice-presidente da AMA

Sessão completa em nosso canal no YouTube: 1ª Parte | 2ª Parte

Fotos: Anderson Folia (Câmara de Lages)

Everton Gregório – Jornalista – Comunicação – Câmara de Lages

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