A revolução da inteligência artificial nos setores advocatício e tributário está promovendo transformações significativas na forma como empresas e governos lidam com suas obrigações fiscais. Com a complexidade do sistema tributário brasileiro e a recente reforma, a adoção de soluções inteligentes torna-se um diferencial competitivo para empresas e municípios que buscam eficiência, segurança e conformidade legal.
Para o advogado e diretor de inteligência artificial da Escola Superior de Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil Santa Catarina (OAB-SC), Leonardo Durand, a automação trazida pela IA representa um salto de qualidade na gestão tributária e na advocacia. Ele explica que a tecnologia tem potencial para reduzir drasticamente possíveis erros humanos e otimizar processos que antes exigiam um grande volume de trabalho manual.
“A inteligência artificial surge como uma aliada poderosa na automação de obrigações fiscais, permitindo que sistemas inteligentes classifiquem produtos e tributos automaticamente, preencham declarações e garantam que todas as exigências estejam em dia. Isso reduz riscos e aumenta a conformidade das empresas e órgãos públicos. E, para tornar esse processo ainda mais eficiente, os algoritmos de aprendizado analisam grandes volumes de dados, identificando padrões que ajudam a prever riscos fiscais e oportunidades de otimização. A IA também pode detectar regimes especiais de tributação no momento em que são instituídos, alertando empresários sobre benefícios fiscais disponíveis just in time. Além disso, cruza informações de diversas fontes para identificar inconsistências e evitar autuações desnecessárias. Esse conjunto de avanços eleva a eficiência, reduz custos e agrega mais valor às operações, sejam elas empresariais ou dos próprios entes públicos (administração direta e indireta da União, Estados e Municípios), que também são sujeitos passivos de obrigações tributárias”, explica Durand.
O impacto da inteligência artificial não se limita apenas às empresas privadas. No âmbito da fiscalização, os municípios brasileiros podem adotar estratégias específicas para integrar a inteligência artificial à gestão tributária, garantindo uma administração mais eficiente e transparente. Algumas medidas incluem a organização e estruturação de dados, permitindo que a IA auxilie no gerenciamento de grandes bases de informações fiscais, facilitando consultas e a administração dos tributos. Com dados organizados, a otimização dos recursos públicos se torna mais viável com dados organizados, possibilitando uma melhor alocação das receitas arrecadadas, a redução de desperdícios e investimentos mais estratégicos.

Leonardo Durand
Apesar das vantagens, Durand alerta que nem todas as ferramentas baseadas em inteligência artificial são adequadas para o setor tributário e para a advocacia. Segundo ele, a complexidade das legislações exige soluções especializadas, capazes de compreender as nuances da legislação fiscal brasileira.
“Para uma gestão tributária eficaz, é fundamental utilizar soluções específicas, desenvolvidas para interpretar legislações fiscais, cruzar dados e garantir conformidade com as normativas vigentes. Isso requer a implementação de um modelo de IA treinado especificamente para essa atividade, em vez do uso genérico de sistemas como Gemini ou ChatGPT. O risco de inserir uma questão tributária nesses modelos e receber respostas com viés ou alucinações pode ser altíssimo. Dessa forma a inteligência artificial deve ser utilizada como um ‘motor’, e não como o ‘próprio carro’, ou seja, deve ser parte de uma estrutura voltada para essa análise específica, e não o analisador em si”, complementa o diretor.
Outra aplicação relevante é a automação do atendimento ao contribuinte por meio de chatbots e assistentes virtuais, reduzindo filas e melhorando a experiência dos usuários. Esse é um grande gargalo para a maioria dos quase 5.000 municípios brasileiros. As cidades também podem estabelecer parcerias com a Receita Federal e com as Secretarias de Fazenda (SEFAZ) para ampliar a base de dados e aprimorar a fiscalização e a aplicação da política pública.
Para além da fiscalização, a automação pode revolucionar os julgamentos administrativos. “Imagine o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) zerando seu acervo de processos em poucos meses. Isso seria viável com o treinamento de uma inteligência artificial específica para auxiliar os conselheiros na análise e decisão dos casos. O mesmo poderia ocorrer nos Tribunais de Impostos e Taxas (TITs) e nos Tribunais Administrativos Tributários (TATs) espalhados pelo Brasil”, afirma Leonardo.
Além dos benefícios mencionados, a inteligência artificial será essencial na recente reforma tributária brasileira, que busca simplificar os tributos e unificá-los em um modelo mais racional. “A transição entre os sistemas tributários pode gerar incertezas e aumentar temporariamente a complexidade. Nesse contexto, a IA pode funcionar como um ‘tira-teima’, comparando os modelos, automatizando a adaptação de empresas e municípios ao novo regime e evitando erros ou pagamentos indevidos. E ainda, pode auxiliar no cálculo preciso dos tributos, garantindo conformidade e reduzindo custos administrativos para os contribuintes”, detalha Durand.
Nos próximos anos, entre 3 e 5 anos, a expectativa é que a inteligência artificial esteja cada vez mais integrada às operações fiscais, oferecendo soluções tanto para o ‘lado de lá’ quanto para o ‘lado de cá’ do balcão. A transição para esse novo modelo requer investimentos, regulação e, acima de tudo, uma abordagem estratégica para garantir que os benefícios da tecnologia sejam plenamente aproveitados.
“Tanto para empresas e escritórios de advocacia, assim como para os municípios, a capacitação e a adaptação às novas ferramentas tecnológicas serão fatores decisivos para manter a competitividade e garantir conformidade legal no cenário tributário nacional”, finaliza o especialista Leonardo Durand, ao mesmo tempo em que questiona se as empresas e municípios já estão se preparando.
Curso IA no direito
Para acompanhar essa evolução, a ESA da OAB-SC está promovendo uma série de cursos exclusivos sobre a Inteligência Artificial aplicada ao Direito. Na última semana aconteceu um dos treinamentos voltado para o tema, uma oportunidade para profissionais se atualizarem e dominarem essa nova era digital.
Por Mariane Lidorio