Santa Catarina: análise inovadora revela as raízes da violência doméstica 

Por Claudio Santos

Especialistas do Protótipo Alpha PMSC Ordem Pública 5.0, ligadas às áreas de saúde e social, analisaram de forma integrada 311 boletins de ocorrência relacionados à violência doméstica, registrados entre os meses de janeiro a junho de 2024, nos municípios de Bom Jardim da Serra, Curitibanos, Lages, São Joaquim e Urubici, que fazem parte do projeto. Onde a maior parte dos registros está relacionada ao fator sociossanitário.

Apesar de diversas iniciativas e esforços, o número de mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil ainda é alto. Cerca de 85 mil mulheres foram mortas intencionalmente, segundo o último Anuário da ONU 2024. Do total, 60% foram vítimas de companheiros ou pessoas relacionadas à família. Isso revela um assassinato a cada 10 minutos. Em Santa Catarina, no último ano, aconteceram 96.481 registros no total, uma média de aproximadamente 263 ocorrências por dia, conforme levantamento da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Já nos cinco municípios integrantes do Protótipo Alpha PMSC Ordem Pública 5.0 — Bom Jardim da Serra, Curitibanos, Lages, São Joaquim e Urubici, o mesmo período contabilizou 3.307 ocorrências. Diante do cenário, esse projeto-piloto da Polícia Militar de Santa Catarina, executado em parceria com a Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc), realizou pela primeira vez um levantamento detalhado da situação nestas cidades. Utilizando um modelo de análise inovador e um comparativo inédito de 311 boletins de ocorrências dos últimos seis meses de 2024, o mapeamento revelou que os fatores como sociossanitário e de gênero são as principais causas dessa espécie de violência.

O que torna este modelo inovador é a relação entre a revisão da literatura e os casos concretos, registrados em boletins de ocorrências. Ao estruturar modelo de análise dos fatores associados à violência doméstica e processar as informações, por conseguinte é possível identificar as possíveis causas desse fenômeno, para além do aspecto criminal. Sendo assim, essa abordagem inovadora estabelece uma base sólida e confiável para compreender as raízes da violência doméstica e mobilizar as políticas públicas capazes de agir sobre as causas desse fenômeno. E já estamos tendo resultados com o Protótipo Alpha. Em 2024 tivemos 153 menos casos de violência doméstica em relação ao ano anterior nas cinco cidades do projeto, ou seja queda de -4,4%”, destaca o comandante-geral da PMSC, coronel Aurélio José Pelozato da Rosa.

Nos boletins analisados, a média de idade do autor da violência é 33 anos e, da vítima, 37 anos. Do total das ocorrências, 176 (56,6%) estão relacionadas ao fator sociossanitário, ou seja, condições sociais e econômicas da população, tendo aspectos, como: acesso à saúde, educação, alimentação, infraestrutura de moradia, condições de trabalho e, outros. A análise identificou ainda que 88 casos (28,3%) possuem conexão direta com questões de gênero – como feminino e masculino, por exemplo. Outros 27 (8,7%) se conectaram ao ambiente físico e urbano, 13 (4,2%) a fatores culturais e 7 (2,3%) à renda e dependência financeira.

Essa análise, pioneira em seu método, além de validar  fatores já conhecidos, ampliou a visão sobre a violência doméstica. “Esses números atrelados aos fatores sociossanitário e de gênero confirmam os estudos preliminares realizados pelo projeto, por meio da revisão integrativa de literatura. “Estamos diante de um novo olhar com relação à violência doméstica, demonstrando a necessidade de fortalecer e aperfeiçoar políticas públicas afins, convergindo com os objetivos do Protótipo Alpha”, enfatiza o coordenador do programa pela PMSC, tenente-coronel Frederick Rambusch.

Ao separar os números por municípios, se observa a preponderância dos fatores associados ao sociossanitário e de gênero em Curitibanos, Lages e São Joaquim. Já em Bom Jardim da Serra, os desafios se dividem de forma igualitária entre os fatores sociossanitário, cultural e de gênero. Apenas Urubici, que mesmo diante dos poucos casos, apresenta 100% das ocorrências ligadas ao sociossanitário (cognição, transtornos mentais, transtornos relacionados ao uso de drogas e álcool, abusos, comportamentos e acesso a serviços). 

“Ao analisarmos os dados de cada município, percebemos que, mesmo nas cidades com registros menores, o problema se manifesta de maneira complexa e multidimensional, exigindo uma abordagem específica para cada realidade local. Com este estudo, é possível organizar projetos e ações estratégicas, a exemplo do que já vem sendo trabalhado nas Câmaras Técnicas do Protótipo Alpha”, salienta a especialista em saúde pelo projeto, Daniela Rosa.

Para além dos números, o levantamento aponta  direcionamentos futuros. Os dados agora podem servir como uma ferramenta poderosa para gestores públicos e a sociedade civil no combate à violência doméstica.  

“Este modelo de análise se torna uma ferramenta inédita não só para a Polícia Militar e toda a rede de segurança pública, mas também aos municípios. Já que pode servir como suporte na formulação de políticas públicas ainda mais eficazes, ampliação e melhoria das ofertas de serviços, aprimoramento no formato dos boletins de ocorrência e integração das bases de dados de maneira inteligente. Assim, as ações passam a ser mais direcionadas e capazes de enfrentar a violência doméstica com a eficiência e a urgência que a situação exige”, declara a especialista em assistência social pelo projeto, Ana Paula Ribeiro.

A partir de agora, uma das próximas etapas do projeto Protótipo Alpha PMSC Ordem Pública 5.0 é a integração deste modelo de análise da violência doméstica aos municípios, assim como realizar as correlações com a aplicabilidade dos projetos e políticas públicas já existentes, além de construir e sugerir de forma coletiva com as câmaras técnicas novas políticas públicas, como foco na redução do problema e preservação da ordem pública. 

“Com os dados em mãos, os gestores municipais podem tomar decisões mais assertivas. Facilitará na criação de programas locais que atendam às necessidades específicas de cada região, além de permitir a adaptação e ampliação das equipes de atendimento de forma estratégica. É possível ainda, revisar e criar novos protocolos de atendimento, estruturar projetos para captação de recursos que considerem as particularidades de cada cidade e priorizar serviços de maneira mais eficiente. Outra vantagem é que os municípios podem usar estes indicadores para acompanhar se os índices aumentaram ou diminuíram, ajustando suas políticas públicas e projetos sempre que necessário”, finaliza a coordenadora de campo do projeto, Carol Cruz. 

No futuro

Este trabalho permitirá num futuro breve análises regionais, nacionais e, até internacionais, que nunca foram exploradas de forma concatenada e direcionada para casos reais.

Importante destacar ainda que, a Polícia Militar de Santa Catarina já está trabalhando para adequar também essa análise por intermédio das denominações oficiais estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que passou a tratar a mesorregião serrana como região intermediária. A ação visa compreender de maneira alinhada esse fenômeno em Santa Catarina.

Denúncia

Importante sempre alertar as vítimas ou a sociedade para a importância da denúncia da violência doméstica, por meio do acionamento da Polícia Militar (190) ou dos órgãos de combate e proteção. 

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