O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) participou, na tarde desta quarta-feira (22/10), de uma reunião promovida pela Corregedoria Nacional do Ministério Público com Prefeitos e representantes dos municípios catarinenses. O encontro, realizado de forma híbrida na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Florianópolis, teve como foco a situação das obras inacabadas e das filas por vagas em creches e pré-escolas no estado.
A atividade integra a programação da correição ordinária temática conduzida pela Corregedoria Nacional, com ênfase na promoção dos direitos fundamentais, especialmente no que diz respeito à proteção da primeira infância e à ampliação da educação infantil. A reunião contou com a presença da Federação Catarinense de Municípios (Fecam), representada por seu Presidente, o Prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, e por sua Vice-Presidente, a Prefeita de Lages, Carmen Zanotto.
A Procuradora-Geral de Justiça, Vanessa Wendhausen Cavallazzi, destacou a vocação cooperativista de Santa Catarina e os desafios impostos pela configuração territorial do estado. “Temos mais de 25 mil crianças à espera de uma vaga em creche. Isso representa não apenas crianças fora da escola, mas famílias que enfrentam dificuldades para trabalhar e melhorar sua qualidade de vida”, afirmou.
Vanessa reforçou que a ausência de vagas em creches representa uma barreira concreta ao desenvolvimento socioeconômico do estado. Ela destacou que investir na primeira infância é uma medida estratégica, com impactos diretos na qualidade de vida das famílias e na redução das desigualdades. Ao citar o economista Amartya Sen, a Procuradora-Geral de Justiça lembrou que o combate à desigualdade passa não apenas pela redistribuição de renda, mas pela ampliação das capacidades individuais — e a educação é o instrumento mais eficaz nesse processo.
O Corregedor Nacional do Ministério Público, Ângelo Fabiano Farias da Costa, ressaltou que o MP deve atuar como parceiro dos gestores municipais. “Queremos que o Ministério Público seja agente de solução, não de problemas. Por isso, recomendamos a instauração de procedimentos administrativos para dialogar com os gestores e entender os motivos das filas e das obras paradas”, disse.
Ele também apresentou o projeto “Primeiros Passos”, que visa ampliar o número de vagas em creches, reduzir a violência contra crianças e fortalecer os serviços de famílias acolhedoras. “A atuação do MP deve ser orientada pelo diálogo e pela compreensão das dificuldades locais. A educação infantil é uma prioridade nacional”, concluiu.
O Presidente da Fecam e Prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, destacou o impacto do fluxo migratório na demanda por vagas na educação infantil. “Temos quase duas mil vagas sobrando em Florianópolis, mas ainda há 400 crianças na fila. Isso acontece porque as famílias se instalam onde há moradia, não necessariamente onde há vagas”, explicou.
Topázio também alertou para a judicialização da educação inclusiva, que impõe altos custos aos municípios. “Precisamos de critérios claros sobre o papel do segundo professor em sala de aula e sobre o atendimento a crianças com deficiência. Cada Juiz decide de uma forma, e isso nos deixa vulneráveis”, disse.
Membro da Corregedoria Nacional, o Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega reforçou que o investimento na primeira infância é a melhor estratégia para enfrentar problemas estruturais. “Crianças que frequentaram a pré-escola têm rendimento 16% maior na vida adulta, e o investimento em educação infantil pode reduzir homicídios em até 50%, segundo estudo do Ipea”, declarou.
Botega apresentou o Sistema de Gestão Presente, desenvolvido com o Ministério da Educação, que permite o georreferenciamento dos pedidos de matrícula e maior transparência na fila de espera. Ele também defendeu a ampliação da rede própria e o uso de convênios com critérios claros e controle de qualidade. “Tubarão é um exemplo positivo: conseguiu zerar a fila de espera com ampliação da rede e convênios bem estruturados”, disse.
O Promotor de Justiça mencionou, ainda, a articulação com o FNDE para retomar obras paralisadas e viabilizar novas construções pactuadas pelo novo PAC. “Temos 49 escolas pactuadas em Santa Catarina. É fundamental que os Prefeitos deem prioridade a essas obras”, afirmou.

A Prefeita de Lages e Vice-Presidente da Fecam, Carmen Zanotto, fez uma fala emocionada e contundente sobre a urgência de priorizar a educação infantil durante a reunião. “Ou nós priorizamos, ou daqui a quatro anos cobraremos do futuro algo que não construímos no presente. A educação não é o futuro — é o presente”, declarou.
Ela compartilhou a história de um jovem que estudou em uma creche municipal e hoje é pós-doutor em Educação como exemplo do impacto transformador da educação infantil. “Os três primeiros anos de vida são decisivos para a formação das sinapses. Se essas crianças não tiverem estimulação adequada, afeto e cuidado, não terão as mesmas condições de disputar espaço na universidade ou no mercado de trabalho”, alertou.
Carmen defendeu um grande pacto municipal pela educação infantil, lembrando que essa é uma responsabilidade constitucional dos municípios. “A primeira infância é nossa. Precisamos enfrentar juntos os desafios, como o papel do segundo professor em sala de aula e a formação adequada dos profissionais da educação infantil”, disse.
Ela também relatou os esforços da gestão municipal para recuperar obras paralisadas e pediu mais apoio à assistência social. “O buraco na rua incomoda, mas o buraco na vida dessas crianças, esse a gente não consegue consertar depois”, concluiu.
Diagnóstico
Durante o diálogo, a Procuradora-Geral de Justiça também ressaltou que o Ministério Público já realizou um diagnóstico importante sobre a situação da educação infantil em Santa Catarina, por meio do projeto Prioriza. A iniciativa percorreu 11 regiões do estado, ouvindo Promotores de Justiça para identificar prioridades e desafios.
“Das 11, cinco regiões escolheram a educação inclusiva e especial como prioridade de atuação do Ministério Público. Dentro desse escopo, é fundamental que os municípios definam critérios claros, identifiquem necessidades e estabeleçam parâmetros comuns para que todos joguem o mesmo jogo, com os mesmos requisitos e os mesmos players”, afirmou.
Ao final da reunião, o Corregedor Nacional Ângelo Fabiano Farias da Costa anunciou um compromisso conjunto: “Saímos daqui com um compromisso moral de tratar este tema como prioritário, com a constituição de um grupo de trabalho envolvendo a Fecam, os Prefeitos e o Ministério Público.”
A Procuradora-Geral de Justiça também agradeceu a ampla participação dos gestores municipais, mais de 170 Prefeitos e Prefeitas de forma on-line, além de cinco Prefeitos e oito representantes municipais presencialmente, e encerrou destacando o verdadeiro propósito do encontro: “Estamos falando aqui de alguém — de todos nós — que se preocupa, acima de tudo, com aquilo que temos de mais valioso: nossas crianças. Não vou mais dizer que elas são ‘o futuro’; elas são o presente, são a razão pela qual estamos aqui”.

