Cerca de 50 cavaleiros e amazonas percorreram roteiro de fazendas históricas da Coxilha Rica, entre elas a Tijolinho, São João, Andrade e São Sebastião. A cavalgada partiu às 11 horas, da localidade de Morrinhos, e contou com a participação de proprietários rurais, estudantes e professores do Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires, tradicionalistas e autoridades das áreas de Turismo, Cultura, Desenvolvimento Econômico e Agricultura, com destaque para o secretário Álvaro Mondadori Júnior (Joinha), o diretor Henrique Beling, o superintendente da FCL Gilberto Ronconi, e o presidente da Santur, Henrique Maciel.
A iniciativa e a organização da cavalgada e do ato de descerramento de placa em homenagem a Anita Garibaldi, foi da Prefeitura de Lages, por meio das secretarias de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Agricultura e Pesca e a Fundação Cultural de Lages.
O evento teve vários apoiadores: Chácara Bom Jesus, MTG, Igreja Católica de Lages, Rota Rural Coxilha Rica, Polícia Militar de SC, Fazenda Tijolinho, Fazenda São João, Fazenda do Andrade, Fazenda São Sebastião, Fazenda Rodeio Bonito, Fazenda Lua Cheia e Lubi Móveis Rusticos.
“A cavalgada é simbólica e rememora os cavaleiros que protagonizaram o movimento revolucionário farroupilha (1835-1845). Uma forma de lembrar ‘Ana Maria de Jesus Ribeiro – Anita Garibaldi Filha desta Terra, Heroína de Dois mundos’ como está escrito na placa comemorativa”, destacou o secretário, Álvaro Mondarori Júnior (Joinha).
Anita Garibaldi, segundo relatos de testemunhas que a conheceram (tradição oral), teria vivido sua infância, e bem provavelmente nascido em Morrinhos, na Coxilha Rica.
Anita: a filha dos campos de Lages
“Felizmente, a filha das estepes americanas ignorava o sentido do medo”. Esta frase faz parte das memórias do general Giuseppe Garibaldi, relatadas ao escritor francês Alexandre Dumas. Como se pode notar, com esta citação épica, o general farroupilha deixou registrado nas entrelinhas de suas narrativas, que a heroína nascera nos campos de Lages.
O general Garibaldi se refere, na narrativa, ao episódio que marca a fuga de Anita das mãos dos imperiais, após a Batalha de Curitibanos, em 1839. E ao falar das “estepes americanas”, referia-se, bem provavelmente, aos “campos de Lages”, à Coxilha Rica. Ou seja, em apenas uma linha do livro biográfico, pode estar revelada a naturalidade da heroína. Naturalidade que até cerca de 30 anos atrás ainda era reivindicada pelos italianos.
Entre os italianos, sempre houve o sentimento latente, a necessidade de se apegar ao imenso valor representado pela mulher que lutou até morrer pela causa da unificação da Itália. Essa reivindicação só foi deixada de lado com o crescimento da reverência em torno dela, no Brasil, especialmente em Santa Catarina, sua terra natal.
Ana Maria de Jesus Ribeiro passou a se chamar Anita e recebeu este epíteto, depois de ter lutado ao lado de Giuseppe Garibaldi na Revolução Farroupilha (1835-1845) e nas batalhas pela unificação da Itália, a partir de 1849.
Três cidades catarinenses reivindicam a naturalidade da heroína: Tubarão, Lages e Laguna, sendo que esta última apegada ao que afirmara Garibaldi quando do protocolo antenupcial, na Paróquia São Francisco, de Montevidéu: “Anita nasceu em Laguna”. Tubarão porque a família dela residiu ali, à margem do rio que dá nome à cidade. E Lages diante de fatos irrefutáveis – especialmente da tradição oral -, que levam a crer que Anita realmente deixou seu umbigo enterrado em seus campos.
Os pais de Anita Garibaldi, Bento Ribeiro da Silva (Bentão) e Maria Antonia de Jesus Ferraz se casaram em 13 de junho de 1815, na Villa de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens, conforme registro paroquial da época. Dezessete meses depois, no dia 1º de novembro de 1816, em Laguna, batizaram o primeiro rebento, a filha de nome Felicidade. Depois nasceriam mais duas filhas do casal, Manuela e Ana Maria (Anita), sendo que destas não se têm informações oficiais do local exato de nascimento. Naquele tempo não havia registro civil obrigatório. Valia o registro de batismo.
Registro Roubado?
Na década de 2010, o então pároco da Catedral Diocesana de Lages, David Goedert, explicava que no século XIX o papel era produto raro, de tal modo que nos livros de registros das Igrejas anotava-se não apenas os batismos, mas os casamentos, atas de reuniões, e demais atividades de importância documental, fossem de ordem administrativa ou social das Paróquias.
Por ser o livro de registro paroquial utilizado para várias finalidades, “não tem sequência cronológica nem de número de páginas”. Desta forma, Pe. David refuta a informação de que teria sido arrancada, propositalmente, e sabe se lá por qual motivo, uma folha do livro de registro de sua paróquia, justamente aquela que poderia ter a certidão de batismo de Anita. Ele ressalta que “a falta de página não comprova a tese” conspiratória.
Já o maior pesquisador sobre a vida de Anita, o austríaco, naturalizado brasileiro, e que morou em Lages, Wolfgang Ludwig Rau, autor do livro “Anita Garibaldi – O perfil de uma heroína brasileira”, deixou registrado o fato do sumiço dos registros da Paróquia de Laguna, justamente aqueles do período de 1820 a 1824, e que poderiam conter o batismo de Anita e de Manuela, irmã mais velha da heroína.
Sobre esse caso, o jornalista e escritor Paulo Markun, em seu livro “Anita Garibaldi – Uma heroína brasileira”, reporta-se a suspeita levantada por Rau de que aqueles documentos foram roubados “justamente por conter a certidão de batismo de Ana Maria de Jesus Ribeiro”.
Diga-se de passagem, diante da questão central em foco, que no século XIX era comum os pais batizarem os filhos dias, meses e até anos depois de terem nascido, devido a uma série de dificuldades enfrentadas à época, uma delas a falta de transporte para deslocamento à sede das paróquias.
Em busca de provas
Em Lages, em 17 de outubro de 2007, através de audiência pública, formou-se um grupo de estudo biográfico-genealógico de Anita, liderado pelo juiz titular da Vara da Fazenda Pública e de Registros, da Comarca de Lages, Sílvio Orsatto. Grupo de pesquisa imbuído da missão de comprovar que Lages é o verdadeiro local de nascimento da “heroína dos dois mundos”.
Orsatto explica que a Vara da Fazenda é responsável pelos registros públicos, parte deles mantidos até os dias de hoje sob guarda da Igreja Católica. Até 1789, os registros de óbito, casamento e nascimento eram feitos pela Igreja. Na época a Paróquia de Lages abrangia desde Bom Jardim da Serra até Chapecó e parte do Planalto Norte de SC.
No final de 2007 ocorreu a primeira reunião do grupo de estudos biográfico-genealógicos, quando foram delegadas as tarefas iniciais.
As características de mulher serrana e da tradição oral (relatos de que Anita teria nascido em Lages) gerou a necessidade da pesquisa. Orsatto disse que o encaminhamento do grupo é “demonstrar que ela é lageana”. Para isso “precisamos de fontes de informação, de elementos científicos, desapaixonados, como por exemplo, se na época de Anita havia pena de morte para a bigamia”. Uma pesquisa da legislação penal poderá revelar esse fato, relacionando-o à preocupação de Garibaldi em ocultar o real estado civil de sua companheira.
Morando em Montevidéu e com planos de ir para a Itália, a família Garibaldi (pai, mãe e filhos) precisava de documentos e a saída seria obter a certidão de casamento. Testemunhas, que teriam sido soldados de Garibaldi, afirmaram que conheciam ambos os pretendentes e que não havia impedimento para o matrimônio. Isto foi fundamental para que a Igreja Católica validasse e oficializasse a união do casal. Na verdade Anita havia se casado com Manuel Duarte de Aguiar, em Laguna, no dia 30 de agosto de 1835.
Fortes Evidências
Em meio a tantas evidências de que Anita tenha nascido em Lages, está o perfil de mulher serrana: “(…) a filha das estepes americanas (…)”, como deixou registrado Garibaldi no livro de memórias. Mulher destemida diante dos perigos da época, notadamente em relação à revolução, às lutas e contendas políticas “(…) desconhecia o sentido do medo”. É fato que ela tinha um tio, morador de Lages, simpatizante da causa republicana e que sofrera retaliações por causa disso, com sua casa sendo queimada pelas forças imperiais.
Há registro histórico de que ela foi exímia amazona e também tomava banho de mar, diferentemente da maioria das mulheres de Laguna, na época. Sem falar de outras fortes evidências que ligam ela e sua família a Lages: três dos dez irmãos foram batizados nesta cidade, inclusive o irmão imediatamente mais novo, Manuel (27-12-1922). Se os pais dela teriam ido mesmo morar em Laguna, em 1816, logo após terem se casado, comprovadamente voltariam a Lages em 1819, conforme registro oficial. Nesse ano Bentão foi padrinho de batismo de uma criança lageana.
O avô materno de Anita, Salvador Antunes, tinha fazenda próxima ao Morro do Tributo e a “Villa das Lagens”. Bentão morou em Morrinhos, na Coxilha Rica, em uma área a poucos metros de distância do cemitério da localidade, onde teriam inclusive sido sepultados filhos seus. Esta última e outras informações sobre a família de Anita se perpetuaram ao longo do tempo, tendo sido relatadas por testemunhas da época, que a conheceram. Uma das quais teria vivido 136 anos, de nome Honória Xavier Athayde, escrava alforriada de Geraldo Athayde.
Lageano validou registro tardio
O saudoso advogado e membro do grupo de estudos, Joaquim Wolff, nascido na Coxilha Rica, disse que desde criança ouviu relatos históricos sobre Anita. O pai dele, Católico Wolff, foi capataz geral do maior fazendeiro da região, Tito Bianchini, dono de mais de 200 mil hectares de campos. A área citada como local de residência de Anita, em Morrinhos, foi vendida a esse grande fazendeiro por Cirilo Vieira Ramos.
Joaquim Wolff lembrava que Bentão fora tropeiro e invernador de gado, como se podia deduzir do local onde ele teria morado, ainda nos dias atuais uma tapera rodeada de taipas que demarcam claramente o local da moradia e da grande mangueira para reunir os animais.
“Bentão, provavelmente, formava fazendas e as vendia. Como tropeiro levava gado da Serra para Laguna. Queremos provar que ele exerceu forte influência na região da Coxilha Rica e de São Joaquim”, comentava Wolff.
O advogado citou dados históricos que deverão ser estudados, no contexto da pesquisa. Nomes que por muitos anos ficaram em evidência e passaram para os registros históricos: Passo do Bento, Fazenda São Bento, Estrada do Bento, Fazenda do Bentinho (que teria sido filho de Bentão). “As evidências são muitas, dado os nomes por tradição”, conclui.
Logo após o registro tardio do nascimento de Anita, lavrada em Laguna, Wolff entrou com ação rescisória no Tribunal de Justiça do Estado. “Perdemos a causa, pois quem de direito teria que ter entrado com a rescisória era a Prefeitura ou a Câmara de Vereadores de Lages”, penitenciou o advogado.
Segundo Wolff, o juiz que deu a sentença do registro tardio, Maurício Mortari, é lageano, e em determinada época, foi funcionário da Prefeitura de Lages.
Anita Serrana
Os lageanos Licurgo Costa e Al Neto, ambos jornalistas e escritores, sustentavam a veracidade do fato de Anita ter nascido numa fazenda serrana. Mas enquanto Al Netto defendia o local de nascimento como sendo na Coxilha Rica (Morrinhos), Licurgo, que exerceu também o cargo de embaixador, tinha por certo que Anita havia nascido na Fazenda Nossa Senhora do Socorro, localizada em área pertencente hoje ao município de Bom Jardim da Serra. Ambos baseavam-se em relatos de testemunhas oculares da história (tradição oral).
No seu livro de memórias, “Licurgo Costa – Um homem de três séculos”, o escritor conclui que o maior pesquisador da vida de Anita, Wolfgang Rau, “não ouviu, em Lages, nenhuma testemunha que tenha tido contato com pessoas contemporâneas de Anita”.
Costa foi levado então a rebater os argumentos utilizados por Rau, que destacava a naturalidade lagunense da heroína. E, diante das controvérsias, cita trecho do livro “Anita Garibaldi – O perfil de uma heroína brasileira”, escrito pelo próprio Rau (página 21): “Somos induzidos a várias especulações: ou os pais de Anita voltaram temporariamente a residir em Lages, onde se haviam conhecido e casado, ou então os cinco primeiros filhos terão nascido em Lages e a família mudado para Laguna somente após o fim de setembro de 1824”.
Dívida Histórica e Cultural
“Em Lages não há uma rua sequer com o nome de Anita Garibaldi”, reclamava o saudoso Joaquim Wolff, que foi advogado e chegou a presidir a Câmara de Vereadores de Lages, na década de 1970. “Uma ponte sobre o rio Pelotinhas, na Coxilha Rica, foi oficializada com o nome de Bento Ribeiro da Silva (pai da heroína), com aprovação na Câmara de Vereadores”, relembrava Wolff.
“A dívida de Lages com Anita deve-se à questão cultural”, sustenta o juiz Sílvio Orsatto. E isto se dá basicamente por envolver a história de uma mulher. Ele entende que se tivesse sido um herói, em vez de uma heroína, as coisas teriam tido outro encaminhamento.
Em agosto de 1835, ela também se casou pela primeira vez, com Manuel Sapateiro. Ainda no oitavo mês, de 1839, teria conhecido Giuseppe Garibaldi, fato presumível devido à época da permanência dos Farrapos em Laguna. E no dia 10 de agosto de 1849, ela morreu.
Por Iran Rosa de Moraes